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Reversão gay: não se pode autenticar este discurso aberrante.

O Brasil regressa intelectualmente a estados quase selvagens. Os sinais desta regressão são muitos e a violência desmedida é um dos mais destacados. Neste ambiente, volta a se difundir a proposta de terapias de reversão de homossexualismo, o que atende popularmente pelo nome de cura gay.

Esta estupidez aberrante – porque cura pressupõe moléstia – encontra muitos adeptos entre grupos evangélicos não históricos, neo-pentecostais, mas não somente entre eles. Na pequena burguesia alvo das comunicações centradas na pauta de costumes e tomada por uma fúria difusa contra tudo, a idéia é bem aceita.

Trata-se de uma idéia aberrante, evidentemente. Primeiramente, um dado natural que não implica redução de capacidades não é passível de cura, porque não se inscreve no domínio de doença. Segundo, por ser um dado natural, não se cuida de algo proveniente da vontade – não encontrei palavra melhor – e, portanto, é irreversível.

Dizer que, mesmo que que se tratasse de algo reversível, teríamos de indagar o porque de ser desejável esta reversão é entrar em campo muito sofisticado para algo proposto por gente tão primária. Seria jogar no campo do moralismo rasteiro dos intérpretes dos intérpretes dos intérpretes das vontades de um Deus que se recusa a falar para o mundo todo e por sua própria boca.

Diante deste e de outros discursos aberrantes semelhantes, só percebo duas posturas minimamente eficazes. Ambas conduzem a dois estados de ânimo que podem arrefecer a horda pequeno burguesa: a contradição evidente e a vergonha, ainda que momentânea. São o escracho e a saturação do absurdo. Discutir sensata e racionalmente é fazer um contraponto inútil com que abandonou a sensatez e a racionalidade há muito.

As reações à saturação do absurdo, ou extrapolação do absurdo, são muito interessantes e reveladoras. Essa tática leva o selvagem a ver-se privado da aparência de racionalidade com que se disfarça e a despir-se muito rapidamente das aparências, pois sente rápido o gosto saboroso de sangue. Outros, calam-se por vergonha.

Como o assunto tem-se tornado comum, era previsível que chegasse às mesas de cafés e botequins. Assim como previsível é que os frequentadores adeptos da aberração queiram extrair dos demais opiniões autenticadoras das suas. As opiniões autenticadoras do assunto são as de concordância ou de discordância que giram em torno ao suporte teórico prévio da falsa racionalidade. Há um campo previamente delimitado de objeções e concordâncias e tudo aquilo proferido neste campo é autenticador.

Desconcertante é lançar algo que não faz ponto nem contraponto. A uma insinuação de um fulano de que queria saber minha opinião, resisti ao impulso inicial de simplesmente dizer que não discuto idéias tolas e bárbaras como esta. Preferi dizer isto de outra forma e foi experiência psico social interessante.

Perguntei por que o fulano estava preocupado em curar incuráveis, degenerados essenciais que escolheram a inversão e a afronta aos princípios sagrados do natural. O desconcerto foi tão grande, que o selvagem nem se lembrou de tirar do bolso alguma formulação de caridade cristã, de dever de ser bom e resgatar os desviados. Ficou entre atônito e pensativo.

Neste passo, mais uma volta no parafuso. Por que não simplesmente eliminar os que desviam voluntariamente da ordem natural e imutável das coisas? Nesta altura, eram perceptíveis os inícios de duas sensações no meu interlocutor: começava a sentir o aprazível gosto de sangue da vítima e, também e meio contraditoriamente, um pouco de vergonha.

A extrapolação do absurdo retira o selvagem do disfarce e do conforto da aparente racionalidade. Fá-lo revelar o que realmente quer: eliminar o diferente, quer matar. Fá-lo revelar sua covardia em não se mostrar fascista abertamente. Assim, pode-se despir o fascista que desonestamente propõe a aberração com vernizes de racionalidade de almanaque.

 

 

 

O pequeno-burguês, a justificação, o exemplo e a tara.

As interdições morais não reduziram a sedução dos interditos, nem visaram a isto. Talvez tenha-se dado precisamente o contrário, o que é muito conforme à percepção do senso comum de que o proibido é mais saboroso. As interdições, em verdade, são impostas exatamente pelo exagerado gosto pelo interdito.

O gosto pequeno-burguês não é temperado pela liberdade, nem pela estética. Ele é curado numa vinha d´alhos de proibição moral, morbidez, sexualidade confusa e, principalmente, necessidade de justificação. O vulgo gosta de sangue, vísceras expostas, cabeças partidas, feridas purulentas, acidentes automobilísticos; gosta de todo tipo de sexo, pois é feito da mesma matéria humana; aprecia o grotesco, o humilhante, as quedas, o ridículo.

Esse acervo de preferências não é exclusivo do pequeno-burguês, porque o feio é parte da realidade e principalmente do que ela tem de natural. Ou seja, o feio é basicamente inumano, não criado, ele é natural como a putrefação. Todas as classes inclinam-se ou pelo menos têm seu número de integrantes que se inclinam ao feio.

Particular da pequena-burguesia é a vergonha e a necessidade de encontrar justificações para sua inclinação para a descomposição, o sangue, as carnes, as fezes, os vermes, o feio natural e fisiológico, enfim. 

As maneiras de justificar a busca e a envergonhada apreciação do feio são sua interdição moral e uma suposta aproximação por busca de conhecimento e fornecimento de exemplos. Ora, é claro que se abordam muito mais à vontade as coisas proibidas que as permitidas e que é livre o uso de qualquer coisa para dar exemplos moralmente edificantes.

Vem-me à memória algo exemplar: nas escolas de direito, é usual haver uma ou duas disciplinas de medicina legal. Há dois pólos centrais de interesse na medicina legal e são as psicopatias e os exames cadavéricos. Por isso, são usuais visitas dos acadêmicos, guiados pelo professor, aos institutos de medicina legal, onde se examinam cadáveres.

Poucas coisas são tão concorridas no curso de direito quanto estas visitas às morgues, onde há cadáveres abertos do externo à virilha, de ombro a ombro, escalpelados, onde há órgão internos a serem pesados, sangue por toda parte.

Embora concorridas estas visitas ao santuário dos corpos mortos e abertos, ninguém diz ter prazer nelas, o que é de uma mendacidade grande até para acadêmicos de direito. Convém dizer que estas visitas aos institutos médicos legais não são obrigatórias e não há sanções para os alunos que não quiserem ir. Quase todos vão, todavia…

Esse gosto tem de justificar-se por um discurso científico, ou seja, os apreciadores de cadáveres abertos dirão que recolheram muitas e preciosas informações naquele espetáculo de corta e costura, dirão que foi muito proveitoso cientificamente e coisas do gênero. Ora, ninguém aprendeu coisa alguma nessas duas horas de contato com a morte talhada, nem poderia, que não há como recolher conhecimentos de anatomia em duas horas.

Nesse ponto, é interessante notar que a única coisa a chegar perto de rivalizar, em volume, com a pornografia, na internet, são as imagens de acidentes com corpos destroçados, sangue, vísceras e coisas do gênero.

Semelhante a esta apreciação da morte justificada por aquisição de conhecimentos científicos, acontece com a interdição moral da homossexualidade. É precisamente esta proibição que permite a abordagem constante do assunto, o eterno retorno ao assunto com uma justificação moralizante.

Na verdade, o mergulho na proibição moral da homossexualidade, interdição nitidamente religiosa, deve-se ao gosto pelo assunto. É interessantíssimo observar uma aberração conceitual muito em moda recentemente, uma coisa que atende pelo nome de cura gay e é divulgada e praticada por pastores reformados neo-pentecostais.

A idéia é absurda, na medida em que não se curam coisas normais, mas isto não é o que interessa aqui. Interessa é que os ferrenhos praticantes da cura gay frequentemente são flagrados na prática de atos homossexuais! Muito frequentemente, na verdade, o que indica, além de sentimento de culpa, o interesse em estar em contato com o assunto com uma justificação, uma desculpa.

Erigiram a justificação moralizante e exemplar em muro a esconder os gostos e desejos reais, inconfessáveis porque o vulgo sente muita vergonha de ser humano.