Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Variante da síndrome de Estocolmo.

Há um processo nítido de golpe de Estado, levado a cabo pelo conúbio entre a imprensa e o judicial. O segundo faz tudo para derrubar a Presidenta da República a partir de qualquer argumento, por mais pueril que seja, além de tentar a humilhação do ex-Presidente Lula e sua interdição política, também a partir de vários nadas reunidos. O processo é jurídico apenas na aparência, pois viola quase todas as garantias constitucionais fundamentais.

A imprensa faz o papel de instigar nas classes médias um ódio moralizante e hipócrita cego. Levou este estrato social ao grau zero do pensamento autônomo. Além disso, leva os setores normais da burocracia judicial à inação diante das aberrações perpetradas, por conta do medo do linchamento público induzido pela imprensa. A parte sensata do judicial foi paralisada pela chantagem mediática.

Além de atender aos interesses dos operadores locais das oposições ao governo, este processo atende aos interesses de desnacionalização das reservas de petróleo e da indústria pesada nacional, que se articulou muito fortemente em torno à cadeia do petróleo e viu renascer um setor voltado às altas tecnologias, notadamente no âmbito militar. O golpe serve, preponderantemente, aos interesses entreguistas.

Por meio de barbaridades travestidas de medidas judiciais enfraqueceu-se a ligação entre o governo e a grande burguesia nacional. Grandes capitães de indústria foram e são chantageados por meio de privações de liberdade ilegais, de que escapam se disserem precisamente o que o sistema golpista quer ouvir, pouco importando a veracidade do que é dito.  A bem de investigar contratos entre empresa meio pública e empresas privadas, o golpe judicial trabalha assiduamente para quebra-las ambas, de maneira a serem adquiridas pelo capital externo a preço de quase nada, ou simplesmente destruídas.

Esse processo cansa e confunde. Não que este cansaço signifique, para as classes médias enfurecidas contra roubos que não compreende absolutamente, alguma regressão no estado de ânimo pre-fascista a que foi levada. Mas, no âmbito das pessoas que conservaram alguma lucidez e pensam com o cérebro e não com fígado o processo tem cansado e confundido, realmente.

Essa espécie de reação tem padrão histórico, ou melhor se diria que este tipo de reação advinda do cansaço e da confusão implica uma postura muito estável relativamente a processos semelhantes. O que muitos dizem hoje relativamente à situação da Presidenta Dilma, já disseram sobre os casos de Getúlio Vargas e de João Goulart. Este último catalisou o tipo de análise que chamo quase síndrome de Estocolmo.

Cansados e confusos, alguns começam a crer que o processo destrutivo que sofrem alguns governantes deve-se, em muito, à inação ou incapacidade políticas deles próprios, o que não deixa de ser identificação, mesmo que parcial, com os algozes da imprensa, dos partidos e do judicial. O processo é tão brutal e absurdo que muitos são levados a crer que aquilo não poderia nascer e crescer senão com a ajuda da vítima.

É um erro de análise abissal e o caso com João Goulart é exemplar. Passados muitos anos do golpe militar que o derrubou da presidência, começou a formar-se uma narrativa da tibieza e da covardia de Goulart, o que é apenas falso. O mito é que haveria reação eficaz ao dispor do Presidente, que teria preferido a inação.

Primeiramente, convém destacar que não havia reação eficaz alguma contra os navios militares norte-americanos fundeados ao largo do Rio de Janeiro, inclusive entre eles um pequenino porta-aviões da classe Nimitz… Em segundo lugar, mais da metade das forças armadas estava a favor do golpe, uns por estupidez, outros por dinheiro mesmo. Entre os movimentos ditos de apoio ao projeto nacionalistas, muitos não passavam de infiltrados que nunca foram realmente de esquerda ou nacionalistas. A imprensa era majoritariamente favorável ao golpe.

Ai, neste passo, quem insiste na possibilidade de reação lança a carta da defesa pelo povo. Ora, o povo não tem consciência de classe hoje, imagine-se há cinquenta anos. O povo cuida do dia-a-dia, de pagar suas prestações, de comer, de procurar trabalho, de algum lazer barato. É muito ingênuo, até para acadêmicos neo-cooptados, supor possível uma reação popular organizada contra o golpe de Estado desferido em 1964.

João Goulart foi extremamente responsável e sincero quando disse que não levaria as coisas a um estado que implicaria um banho de sangue. Se insistisse nessa quimera, geraria um banho de sangue por nada, porque as chances de êxito não havia. Seria um capricho movido por vaidade. Ele foi grandioso.

Pois bem, começam a surgir análises que põem, ainda que parcialmente, na conta de Dilma o massacre mediático de que ela é alvo diariamente. Isso é tolo e vil. Não era a habilidade ou inabilidade política de Dilma que evitava as coisas chegarem ao grau de efervescência golpista atual. Era o tempo demandado para a imprensa conseguir catalisar todas as piores inclinações do médio classista fariseu prototípico. Isso leva tempo; é preciso trabalho constante. Da mesma forma, a construção do processo judicial leva tempo.

Dilma não contribuiu para que o processo golpista chegasse onde chegou, com tamanha intensidade e probabilidade de levar o país ao caos subsequente. Um pouco de pensamento autônomo, amparado nas balizas clássicas da história e da lógica formal, permite ver que nada ela poderia fazer para estancar isso. Não havia, nem há, acordo possível com as forças do golpe, exceto se se tornar também golpista e decidir entregar as riquezas nacionais aos comandos e interesses externos.

O povo está ansioso por suprir suas necessidades – reais e quiméricas – materiais: quer comprar, enfim. Não sairá às ruas para defender um projeto nacionalista em oposição a um entreguista e de submissão, simplesmente porque não concebe nada nestes termos.

Hoje, muito mais decisivo que qualquer ação da Presidenta é o desenrolar da situação geopolítica, notadamente as eleições presidenciais nos EUA, sua situação financeira, sua capacidade de promover desestabilizações por todo o mundo. Se a margem de ação dos EUA reduzir-se, tanto por esgotamento financeiro, quanto por formação de nova vontade política, podemos ter alguma paz…

 

O escravo não deve perceber a escravidão. Por isso a imprensa nega a luta de classes.

O capital serve-se da imprensa como se serve da repressão policial. São meios de ilusão e controle social que devem inicialmente impedir a tomada de consciência da luta de classes e, secundariamente, reprimir violentamente qualquer ameaça ao patrimônio.

O discurso é mais eficaz, historicamente. A imprensa, assim como o poder judicial, apropriou-se sagazmente do mito da imparcialidade e ficou livre para mentir e deformar à vontade, em atividades editoriais disfarçadas em jornalismo.

Vendeu a ilusão de que noticia fatos, pura e simplesmente, o que é muito distante da realidade. Ela vende pacotes prontos de idéias simples a serem repetidas pelo público não pensante.

Mas, além da imprensa e do judicial, é interessante perceber que quase toda a sociedade adotou narrativas que tendem a negar a luta de classes, como se os mais díspares grupos em termos de apropriação de rendas tivessem os mesmos interesses.

O discurso corporativo tem exemplos interessantíssimos. Em supermercados, os empregados mais subalternos são chamados colaboradores ou, o que é mais perverso, associados. Colaborador dá idéia de proximidade, de semelhança entre empregado e patrão, algo muito longe de ser verdade.

Associado é perversão e piada. Tudo isso visa a afastar a percepção de exploração e das diferenças imensas na apropriação dos resultados. E resulta bem, a despeito do empregado saber que trabalha muito e que se cansa muito e que ao final ganha pouco.

Essa sagacidade é, talvez, ainda maior nas classes médias, que chamam suas empregadas domésticas pelo eufemismo secretária. Ora, como é que é secretária quem não ganha salário desta função, quem não faz trabalho de secretária? É uma piada de alta perversidade.

Neste caso de secretária, a família médio classista expia um pouco de sua culpa esclavagista, além de suprimir o termo estigmatizante empregada. Claro que do estigma só se extirpa o nome e o restante permanece nesta que é a pior função laboral existente no Brasil.

Mino Carta aponta algo interessantíssimo no âmbito da imprensa. Diz que não conhece outro país onde os jornalistas e repórteres chamem os patrões de colegas. Ora, o fulano que escreve o editorial é o patrão ou funcionário qualificado deste – um quase patrão. O jornalista é empregado, nunca colega de patrão algum.

É necessário expurgar dos discursos todas as menções, todos os termos que indiquem a relação patrão – empregado explicitamente. É preciso que não se percebam com nitidez as diferenças enormes e obscenas entre os 2 ou 4% que se apropriam de mais e os rentantes. Claro que diferenças percebem-se, mas o discurso leva as maiorias a ignorarem qual grandes são elas.

Diferenças que não se percebem nas suas reais e abissais dimensões parecem aceitáveis e podem ser explicadas pelo besteirol comum do mérito e outras mentiras deste tipo. Assim, os escravos seguem a aceitar suas servidões, na medida em que não de veem como servos.

Por conta da negativa da luta de classes – a maior tarefa da imprensa que funciona como uma corporação mundial a serviço do grande capital financeiro – as maiorias são levadas a descrer da política e pensar que o farisaísmo é mais importante que a escolha política. São levadas a acreditar num sistema burocrático supostamente virtuoso, meritocrático e imparcial.

A negação da luta de classes é a negação da política também. Implica a idéia de não haver escolhas, opções, hipóteses, nada variável conforme uma decisão que vise aos interesses próprios de uma classe. É um estado quase religioso de verdade única, de gestão por manuais, ou seja, de naturalização da história. Isso é conservadorismo na forma mais pura.

Por terem tido grande êxito em fazer a maioria das pessoas crerem que compartem interesses com seus exploradores, os avanços políticos, sociais e econômicos, nomeadamente no que se refere a melhor distribuição de riquezas, são espasmódicos, episódicos e sempre sujeitos a travões ou retrocessos.

As pessoas chegaram, em sua imensa maioria, ao grau zero do pensamento autônomo. Não há originalidade para dizer algo belo nem feio, só repetições. Não há noção de história, nem de realidade.

Presentemente, para travar as melhoras nas vidas da maioria das pessoas – algo que repugna às classes médias e altas – a imprensa investe contra governos sob argumentos não provados de haver neles corrução elevada.

Ora, não há hoje corrução mais elevada que em qualquer outro período histórico e só os tolos crêem que há, porque é próprio dos tolos serem ignorantes de história e não pensarem por si mesmos.

Assim, muitos são levados a esquecerem as melhoras de níveis de vida e a bradarem contra algo que é historicamente estável e não mereceu estes ataques, exceto quando havia governos mais favoráveis ao povo, claro.

Conduzido por uma imprensa hedionda o povo busca o suicídio, oferece sua servidão e marcha para um fascismo perigosíssimo.

O dr. Stanley Milgram tem algo a ensinar ao contra-golpe.

Além das experiências e posteriores teorizações dos professores Roger Sperry e Michael Gazzaniga com secção dos corpos calosos e suas assombrosas consequências em termos de consciência e vontades autônomas, as investigações do doutor Stanley Milgram parecem-me o que há de mais interessante em termos de humano.

O doutor Milgram elaborou o experimento em obediência à autoridade, na Universidade de Yale, a partir de 1964. Dez anos depois, descreveu os experimentos e avançou hipóteses de conclusões no livro Obedience to Authority: An Experimental View.

Feliz ou infelizmente – mais provável o segundo advérbio – a coisa veio a seguir ao julgamento de Eichmann, após sequestro dele e condução para Jerusalém. Infelizmente porque tudo que se associa, por mais tenuemente, ao holocausto dos judeus entre 1940 e 1945 torna-se complicado, mais ou menos proibido e passível de interpretações axiomáticas. Mas, deixemos Eichmann para lá.

A experiência, em termos de equipamentos e tecnologia envolvidos, era muito simples. A encenação que ela implicava, também. Nem tão simples são as conclusões que se podem extrair, notadamente se nos detirvermos, ao depois, no que pode significar autoridade, no alcance deste termo, no que a constituiu e suporta.

Basicamente, três pessoas estavam envolvidas no experimento: o pesquisador e dois voluntários supostos. Destes últimos, um faria o papel do educador e o outro do aluno. Milgram convocava os voluntários por meio de publicações em jornais e oferecia uma módica recompensa – quatro ou seis dólares, não sei ao certo – para quem se dispusesse a participar da experiência científica. O propósito declarado era investigação sobre memória.

À partida, no recinto do experimento, o pesquisador trajado adequadamente de cientista, com jaleco branco e a indefectível gravata, recebia os dois voluntários; um dos voluntários era um ator, circunstância desconhecida do voluntário real. Em seguida, apresentava ao real voluntário dois papéis dobrados que seriam a forma de sorteio dos papéis. Ambos os papéis continham o nome educador. Sempre o voluntário real seria o educador, portanto.

O experimento consistia no seguinte: educador e aluno ficariam em salas diferentes, sem se verem. O educador leria para o aluno uma série de substantivos relacionados a adjetivos. Vinte pares associados, como, por exemplo, céu azul, vento fresco, maçã vermelha, carne apetitosa, etc. O aluno deveria prestar atenção à leitura inicial e pausada dos pares de substantivos e adjetivos relacionados.

Depois, o educador diria ao aluno, por um sistema de comunicações entre as salas diferentes, substantivos da lista, a que o aluno deveria responder o adjetivo correlato, conforme ao que tinha ouvido na leitura da lista toda, anteriormente. A cada erro do aluno, o educador deveria aplicar-lhe um choque elétrico que era incremental de 15 em 15 volts, a cada resposta errada, até ao máximo de 450 volts, choque potencialmente mortal. O educador, isto é essencial, não sabia que o aluno era um ator e que os choques na verdade não ocorriam.

Muitas vezes, antes do início do experimento, era dito ao educador que o aluno sofria de alguma cardiopatia. Os equipamentos dispunham de um sistema que a cada choque, conforme a intensidade, reproduzia gritos previamente gravados. O pesquisador, com ar fleumático e importante, ficava ao lado do educador que perguntava e aplicava choques punitivos no aluno.

Contrariamente ao que esperavam cientistas previamente ouvidos por Milgram, na primeira rodada de experiências, 65% dos voluntários no papel de educador foram capazes de chegar ao choque máximo de 450 volts…

A enorme maioria chegava ao ponto extremo com sinais imensos de estresse e desconforto psíquico. Hesitavam, ficavam aturdidos com os horríveis gritos dos alunos que supostamente levavam os choques, mas iam adiante. O pesquisador ao lado do voluntário educador, a sinais de hesitação e conflito interno, mantinha postura compenetrada e instava o educador a continuar, com frases padrões como: por favor, continue; a experiência necessita que você continue; é totalmente essencial que você continue; você não tem alternativas, deve continuar.

Essa experiência foi replicada em outros locais com resultados muito pouco divergentes. Os voluntários eram capazes de punir e infligir sofrimentos imensos a terceiro sem qualquer outra razão além da obediência à autoridade, representada pela presença do cientista. Há uma variação significativa na ida aos máximos em função da proximidade física do cientista e do educador; isto é relevante.

Observou-se uma redução da disposição a punir severamente quando o cientista estava mais distante fisicamente do educador ou quando o instava menos a prosseguir. A obediência é uma relação dinâmica, percebe-se. Com o cientista fleumático, de poucas e objetivas palavras, perto e pronto a instar o educador a seguir adiante, este continuava a fazer sofrer o aluno, mais e mais, mesmo em tensão psíquica.

O senso-comum rápido propôs a conclusão meio simplista: a obediência à autoridade suplanta os valores morais. Mesmo não apreciando nada que se sirva do termo moral, tenho de dizer que esta conclusão tem sua verdade. Mas, há mais que isso. Inicialmente, há para além disso: o conflito, em muitos casos, cessa. Um dos pólos da comparação extingue-se e há apenas obediência.

Em certo momento e em alguns casos, não se vai adiante a despeito do conflito entre obedecer à autoridade e valores morais, prossegue-se porque o conflito foi superado. Não há mais isto ou aquilo. Acaba-se a relação, na medida em que um dos pólos de comparação já foi excluído. Esta exclusão é basicamente decorrente da cessação do pensar autônomo. Deixar de comparar é deixar de pensar.

Na esteira da experiência e das hipóteses e mesmo conclusões avançadas pelo próprio Milgram e outros que se aventuraram a teorizar sobre a experiência, surgiu, claro, outro simplismo enviesado. Numa correlação ideologicamente óbvia demais, a autoridade foi imediatamente associada ao Estado.

Ocorre que o Estado não é, hoje, nem de longe, a maior autoridade a incidir nas vidas das pessoas, para desespero de quem ler Orwell como se tivesse sido escrito hoje ou há poucos trinta anos. Orwell é genial, mas 1984 é uma teoria em que no lugar do Estado pode-se por outra coisa, conforme mais adequada segundo o tempo. A teoria é boa, mas as personagens não são estáticas.

Muito mais que o Estado, a ciência, a imprensa e o tribunal são autoridades aptas a conduzirem à obediência cega. São mais legitimadas, para se usar linguagem jurídico-social da moda. Essa legitimação da autoridade advém da maior de todas as mentiras: a imparcialidade.

Certas instituições conseguiram criar e estabelecer o mito das suas imparcialidades, quase sempre a partir do discurso de verniz científico. Aqui, cabe menção a Foucault, que viu bem a narrativa e o discurso científico como indutores de legitimação para exercício de poder, do poder indiscutível e impassível de objeção dialética, exceto se se tratar de uma falsa dialética exercida dentro do círculo.

A imprensa e o tribunal tiveram de tornar-se científicos; perceberam-no logo. E foi fácil, porque alguém disse as palavras mágicas: método e sistema. Especializaram-se e se apropriaram da autoridade da ciência, esta, na origem, não destinada a basear narrativas para obtenção de poder.

Era bastante óbvio que instituições quisessem para compor sua narrativa algo como tudo que se soltar cai. Elas precisavam de suas leis da gravidade e as criaram a partir do uso da linguagem própria para enunciar leis físicas. Perderam o talvez e assumiram o axioma, com a chatice das mil e uma falsas dúvidas e da insistência em afirmar metodologias.

Hoje, especificamente no Brasil, imprensa e tribunal se retroalimentam  no jogo da afirmação que é legítima porque é e pronto. E, claro, isto tem propósitos políticos; isto visa ao comando do Estado sem a necessidade de jogar o jogo político, que foi tornado coisa feia, não científica, não imparcial. A autoridade da imprensa e do tribunal atua sobre os alunos como no experimento do doutor Milgram: eles a seguem, não a despeito de conflitos, mas sem conflitos.

 O problema disto – e aqui falo da situação do Brasil atual – é o mesmo da reação em cadeia dos núcleos de urânio que se desintegram: há um ponto em que não há barras de grafite que cessem o processo. Neste ponto, o conjunto dos cidadãos parece ter seus corpos calosos secionados e agir apenas pelo hemisfério direito do cérebro – aqui não há trocadilho, devo dizer.

A travagem deste tipo de processo tem a mesma chave de sua abertura: a autoridade. Ela cria-se; ela pode ser desfeita também, por outro discurso a ela contrário. As objeções dentro do modelo não resultam senão em morte lenta, retórica de nada e frustração.

A autoridade que alimenta os comportamentos irracionais e selvagens da pequena-burguesia brasileira deve ser contraditada. Ela não tem – porque não existe isso – as bases que afirma ter: imparcialidade e ciência. A imprensa e o tribunal não são veículos da verdade, não são instituições desinteressadas; são partes num processo. Isso deve ser dito.

Porque o golpe está em regime de urgência.

O golpe de estado atualmente tentado no Brasil, contra o governo eleito legitimamente, segue em ritmo frenético e, por isso mesmo, confuso. A pressa constantemente tem por consequência a confusão, o que pode ser bom ou ruim estrategicamente, a depender das habilidades dos agitadores e operadores.

É fundamental dizer claramente que este processo golpista – assim como seus precedentes – é preponderantemente exógeno. Internos são os agentes operadores localizados na imprensa, congresso nacional, poder judicial e movimentos supostamente populares que ninguém sabe como se financiam.

Sozinhos, estes operadores internos pouco podem. As elites locais sempre atingem acordos em que mantém quase intocados seus altos níveis de apropriação, mesmo em períodos de concessões mais ou menos tímidas às maiorias. Elas ganham em todas as situações, com algumas variações poucas que não invalidam a lógica capitalista. Logo, o núcleo da burguesia nacional, na ausência de estímulos externos, não patrocina golpes.

Provenientes da grande burguesia nacional envolvidos diretamente como agentes do golpe temos apenas os patrões da imprensa. Todavia, essa gente não é propriamente nacional. Historicamente, têm alinhamentos ideológicos fortes com os norte-americanos, além de participação capitalista externa. A imprensa é formatada de tal maneira que serve, queira ou não, aos interesses norte-americanos. É filha do modelo TV – Hollywood do pós-guerra; um modelo de propaganda, basicamente.

Cabem aos agentes locais do golpe duas missões básicas: dar formato jurídico à violação da institucionalidade e cevar o ódio difuso da pequena-burguesia. A segunda missão é de uma irresponsabilidade profunda, porque é a semente do fascismo, mas eles a levam a cabo, sem cálculos de futuro. Estão imbuídos em uma cruzada religiosa; sua tenacidade é quase de devoção.

A pressa explica-se por fatores geopolíticos e pela perda gradual de fôlego financeiro da imprensa local. Á medida que segue a decadência norte-americana – algo que se sabia seria terrível para o mundo e dramático para os vizinhos continentais – encurtam-se os prazos para fazer tudo que do apoio norte-americano dependa.

As decadências tem vários paradoxos aparentes. Um deles é que à perda de influência corresponde a abertura de mais frentes de combate, sejam políticos ou propriamente bélicos. Nisso, a analogia já feita aqui com a morte de uma estrela, creio ser bastante adequada.

Sucede que a perda de capacidades de enfrentar numerosas frentes de combate, a par com o crescente desejo de as aumentar, cobra seu preço em termos de realidade. A capacidade norte-americana de desestabilizar o mundo reduz-se. Recentemente, a entrada da Rússia na Síria, para dar cabo do Estado Islâmico criado pelos EUA, Israel e outros sócios menores, dá provas disto. Além de encurralados na exposição flagrante de suas hipocrisias, os associados da OTAN vêm-se diante de limites objetivos.

Por maior que o Brasil seja economicamente, não é mais importante que o jogo no tabuleiro do oriente próximo e da estepe asiática. Naturalmente os maiores esforços estão lá concentrados e, considerando-se que os recursos são finitos e decrescentes, fica claro que reduz-se sua capacidade de investir na desestabilização nas áreas menos importantes. Por isso a urgência em consumar o golpe no Brasil, pois será cada vez mais difícil financiá-lo e cada vez mais remota a possibilidade de emprestar a sexta frota para o impor na forma clássica.

As forças armadas brasileiras, hoje, não têm interesse no golpe de estado. Seus oficiais generais não estão dispostos a entrar na aventura. A experiência recente com governos da gente que está à frente do golpe mostrou-lhes que perdem dinheiro. Realmente, o período fernandino, de tão entreguista que foi, quase liquida com as forças armadas. Ora, os oficiais superiores tem honorabilidade no que tange às suas capacidades bélicas reais e não acham muita graça no sucateamento das suas armas.

Por outro lado, uma personagem central do esforço golpista parece ter sido muito mal escolhida. O presidente da câmara dos deputados é alguém muito sujo até para ser protegido pelos fortes esquemas da imprensa e do sistema judicial. Fazer sua integral blindagem mediática e jurídica é esforço semelhante ao de segurar água com as mãos. Sempre vazará por todos os lados.

Mesmo que a pequena-burguesia seja terreno fertilíssimo para a propaganda golpista escrita e televisiva, há níveis de contradições que tumultuam o processo e podem implicar massa crítica para uma reação sem quaisquer controles. As contradições da ponta-de-lança do golpe de verniz jurídico tornam-se muito evidentes e fica difícil escondê-las todas. O presidente da câmara é figura complicadíssima. Tirá-lo da posição será também complicadíssimo, porque ele tem apego pessoal à posição e sabe onde todos os outros possíveis substitutos almoçaram no passado.

Há razões para crer que se o golpe não se consumar neste ano de 2015, será inviável ao depois. Perderá inércia, porque os EUA não terão tempo de o ajudar tão intensamente quanto necessário, a imprensa terá de cuidar da sua situação financeira caótica e os agentes imediatos terão de cuidar de inúmeras defesas na arena judicial. Apenas espero que esse eventual fracasso do golpe não deixe em seu lugar algo tão ruim quanto: o desgoverno.

Terra arrasada.

A imprensa tornou-se o maior poder dos países ocidentais, mais poderosa do que a legislatura, o executivo e o judiciário…precipitação e superficialidade são a doença psíquica do século XX e mais do que em qualquer outro sítio é na imprensa que tal doença se reflete.

Alexander Soljenítsin

 

Incapaz de vencer eleições presidenciais nos últimos doze anos, os entreguistas brasileiros resolveram paralisar o país, disseminar o medo, o ódio, a intolerância, a percepção de crise, tudo isso por meio da imprensa, que serve aos desígnios entreguistas com fidelidade e dedicação.

Os resultados são tão previsíveis quanto terríveis. Há o efeito de autorrealização das profecias e a economia, por exemplo, acaba por retrair-se mais por conta das más expectativas. Mais que cairia normalmente este ano e que é muito pouco, diga-se.

Porém, o pior desta estratégia de disseminar-se que tudo está ruim e em níveis sem precedentes é que a classe média acredita nisso. Já de si é bastante tola e ignorante; com essa ajuda da imprensa, para piorar o ruim, torna-se insuportável. E essa gente é afirmativa, ou seja, reproduz as idiotices que lê ou escuta e sai a pedir confirmações para elas.

Nada no Brasil está pior que há 15 anos. Nem economia, nem distribuição de rendas, nem saúde, nem educação, nem segurança pública, absolutamente nada. A percepção disso seria facílima para qualquer pessoa que olhasse à sua volta e pensasse com sua própria cabeça. Um pouco de memória é necessário também, evidentemente.

O extraordinário foi ter-se instalado o clima de terror, a percepção de caos, a noção de que as coisas estão a piorar. Isso é a grande obra da imprensa e os frutos serão uma ingovernabilidade que não ajudará nem aos grupos de oposição. O sujeito médio – aparentemente possuidor de um cérebro pensante e de memória, além da tão aclamada liberdade – nega a realidade, os números, as séries históricas, nega sua própria percepção e repete o que lhe disse a imprensa e o que lhe desdiz a realidade.

Chegou-se a ponto da histeria macartista contra a corrução – mesmo que ninguém saiba onde ela está e como funciona – lançar âncora no judicial, que a pretexto de a combater promove a quebra de grandes empresas, desempregando milhares de pessoas. As massas enlouquecidas não param a pensar que não é preciso destruir empresas e por na rua trabalhadores para se combater qualquer coisa.

A ocultação da ideologia por meio da objetividade fraudulenta. Narrativa da direita.

Os números, todos sabem, dizem o que quisermos que eles digam. A direita, por outro lado, sente enorme dificuldade de abrir-se na sua coloração ideológica própria, numa espécie de vergonha mal-disfarçada. Precisa então construir uma narrativa que pareça ideologicamente neutral, ou seja, que remeta apenas a aspectos gerenciais, supostamente objetivos, de uma realidade que é naturalmente imutável.

Precisa, mais que tudo, ocultar e negar a existência de classes com interesses diversos e conflitantes, tanto relativamente à divisão e apropriação das riquezas, quanto culturalmente. Precisa, vistas as coisas por outro lado, construir e servir-se de um discurso de naturalizada objetividade e negar as experiências bem sucedidas de alteração das desigualdades.

Resulta que a pequena burguesia urbana, profundamente descontente com a melhora dos que estão abaixo de si e alimentada pela imprensa mainstream, reproduz um discurso de objetividade fraudulenta, que parece tratar de um mundo onde inexistem opções guiadas por ideologias.

Quem escuta essa narrativa fria e aparentemente sem juízos valorativos percebe que ela foi purgada de qualquer elemento de escolha, como se opções não houvesse e tudo se limitasse a aspectos gerenciais. Eis o grande fetiche da narrativa direitista: tudo é questão de gestão.

De carta forma, a base deste discurso é já meio antiga, pois cuida-se do triunfalismo que emergiu no final da década de 1980, quando alguns aspirantes a profetas anunciaram o fim da história. O fim da história seria o resultado de um consenso nunca havido, em que o liberalismo absoluto ter-se-ia afirmado como verdade revelada.

A desonestidade dessa gente saltava aos olhos já naquela época, porque nem mesmo o tal liberalismo tem a realidade que nos papéis é fácil aparentar. Realmente, os profetas liberais nunca abdicaram de apropriar-se do Estado para que seu liberalismo funcionasse na medida correta de apropriação, o que significa dizer sempre em maior medida.

Discutem-se números, indicadores, resultados de balanços de empresas estatais, variações da bolsa de valores, estatísticas, tudo quanto possa parecer sintoma de uma coisa natural a funcionar melhor ou pior conforme a administração que tenha. Isso, todavia, além de mesquinho é fraudulento.

Mesquinho porque é micro demais e nega o planejamento e possibilidade de alterar-se a realidade social. Fraudulento porque os números, a depender do ângulo porque se os vejam, dizem qualquer coisa. No fundo, trata-se de investir contra os movimentos de desconcentração de rendas com um discurso que não pareça ideológico.

Tudo que for aparentemente sem valor ideológico, que for terceira via, que for apolítico, que for gerencial é discurso de direita. Isso fica evidente porque o núcleo do discurso direitista é a instalação de um modelo que só resulta em aprofundamento das desigualdades e não sou eu que o digo de forma inovadora, é a história que o prova fartamente.

É compreensível a dificuldade que se põe para um discurso sinceramente direitista, porque a enorme maioria das pessoas não se sentirá atraída por uma proposta de empobrecimento, nem mesmo se ela vier cuidadosamente embalada em palavras complicadas. Daí a necessidade de se recorrer à objetividade fraudulenta e acusar os promotores da redistribuição de gestores ruins.

Interessante é perceber como a pequena burguesia que repete o recebido da imprensa sem pensar incorre em contradições a cada dois ou três meses. Fosse eu da imprensa e fosse mais refinadamente pérfido, teria muito prazer em divertir-me assim com as classes médias, levando-as a dizerem as maiores asneiras e a desdizer-se mês depois com outra asneira ainda maior.

Se se anuncia uma redução de um preço administrado, de um serviço prestado por alguma empresa concessionária de serviço público, correm todos a dizerem que isso é ruim porque a empresa perderá dinheiro e prejudicará seus acionistas! O sujeito vai pagar menos, mas reclamará disso porque foi ensinado que isso é ruim, embora seja… bom.

Pois bem, se este mesmo preço sofre uma elevação alguns meses depois, isso é ruim, o que é mesmo óbvio. Mas, isso é ruim como uma enviesada confirmação da profecia anterior de que baixar o preço também era ruim. A imprensa joga o jogo do ganha-ganha e leva seus alunos a repetirem felizes e lépidos as contradições mais atrozes.

Essa crítica mediática que sempre desagua no ruim, mesmo que duas coisas estejam nos extremos de uma escala – e pensemos no preço da gasolina, por exemplo – revela que se trata puramente de ideologia. Não há objetividade em ser contra a redução do preço da gasolina e contra o posterior aumento pelas mesmas razões. É ilógico para qualquer pessoa que pense com sua própria cabeça.

Detenho-me neste particular dos preços administrados e concernentes a empresas públicas porque o principal objetivo da direita brasileira é vender duas jóias cujo capital ainda é maioritariamente público: a Petrobrás e o Banco do Brasil.

Para vendê-los, caso a direita tenha êxito nas presidenciais de outubro, será  necessário algum discurso, porque não haverá condições, nem coragem de simplesmente vender porque é melhor entrega-las que receber os dividendos que repassam ao Estado como detentor da maior parte do capital social. É preciso dizer que estas empresas são um mau negócio para o Estado, mesmo que isso não faça qualquer sentido, principalmente quando se pensa na Petrobrás.

 Semelhante acontece com programas e órgãos voltados à segurança social e a ações redistributivas. É moda falar das contas da seguridade social como se se tratasse de uma sociedade anônima exploradora de atividade econômica, ou seja, como algo que persegue lucro. Aqui a fraude é enorme, porque os objetivos e a natureza dos órgãos e programas são totalmente esquecidos na construção da narrativa.

Esta narrativa aquela velha estória do Estado mínimo, que é recontada com tênues variações em todas as latitudes e em todos os tempos. Esse Estado só deve ser mínimo para as maiorias, porque ninguém da classe média para cima sobreviveria nos mesmos padrões sem parasitar o Estado de alguma maneira, seja por isenções fiscais, seja por salários, seja por empréstimos a juros baixos e mil outras formas criativas.

Manipulação mediática.

Primeiramente, deve-se dizer que a imprensa mainstream tem lado, trabalha para os interesses plutocráticos e não leva a sério a tolice da imparcialidade. Não é indústria de divulgação de fatos, mas de construção de discursos de suporte político dos grupos que defende.

A imprensa mainstream não conhece realidade e não trabalha com qualquer aspecto de empirismo. Ela constrói discursos com finalidades precisas, à revelia de qualquer coisa que se aproxime do que se chama realidade. Na verdade, ela desconstrói a realidade nessa sua indústria de construí-la segundo conveniências propagandísticas.

A imprensa nem educa, nem informa, embora esta segunda finalidade ela a declare a primordial. Não é. Ela ensina a pensar de uma certa forma e liquida as possibilidades de qualquer outra forma de pensamento. Fornece os pontos e contrapontos pré-estabelecidos, extremos que delimitam o vai-e-vem esquizofrênico dos seus dominados.

Afirma-se liberal, mas não é. Nem é indiferente ao Estado, nem contra ele. Ela depende do Estado ser leniente com a concentração e com a fraude e depende dos recursos do Estado, usurpados imperialmente da maior parte da população. Ela, mesmo quando opera no espaço da concessão pública, como dá-se no uso do espectro de rádio difusão, preda os recurso públicos em troca de publicidade.

É necessário, para a imprensa, que avance a imbecilização sem recuos. Isso não é somente o estabelecimento de baixos níveis de cultura formal, mas a incapacitação para qualquer pensamento autônomo. Este último é o mais destacado meio da imprensa mainstream e sua finalidade precípua é defender a plutocracia.

A manipulação das massas tem de ser bem feita, porque a missão de capturar a democracia implica levar as maiorias a votarem contra seus próprios interesses. Em condições ideais, ou seja, abstraindo-se de fatores externos, seria missão dificílima, daí que a primeira coisa a ser feita é inserir muitas coisas na vida do sujeito comum, todas elas estranhas a ele e às suas circunstâncias, e fazê-lo crer que são todas muito pertinentes à sua vida.

Isso é técnica de dissolução de identidade, tanto pessoal, quanto de classe. Ampara-se no fornecimento de uma moralidade que supostamente é invariável e permeia todas as classes. Nisso há fraude porque a plutocracia, o 01%, não tem moralidade nem honra, as pessoas de exceção tem honra e não moralidade e o restante, da burguesia para baixo, tem moralidade, mas ela é fortemente cambiante.

A par com o fornecimento de uma moralidade supostamente estável e universal – que fará o papel de critério de julgamento de tudo – despejam-se quantidades imensas de informações dispersas, incompreensíveis e, principalmente, inúteis como pontos soltos. O manipulado saberá que houve um abalo sísmico em Sumatra e logo depois que o exército de Israel matou palestinos com munições de fósforo.

Incapaz de relacionar as notícias com qualquer conceito ou abstração, pois não sabe o que são acomodações tectônicas, nem o que é sionismo, terá recebido dois fatos desconexos, atemporais, sem relações com quaisquer outras coisas. Apenas entulho informativo a baralhar as idéias, ocupar espaço nas poucas prateleiras cerebrais e conduzir à desintegração da identidade.

Daí advém a incapacidade de distinguir o relevante do irrelevante, porque tudo é lançado sucessivamente, coisas depois de outras, em desconexão evidente. As diferenças estarão somente na maior ou menor ênfase moralista dada a uma ou outra notícia. Assim, se as coisas apenas se diferenciam a partir da ênfase moralista, tudo é igualmente relevante ou irrelevante, ou seja, a relevância é dada pelo emissor, pois o recetor é já incapaz de perceber diferenças.

Outros característicos da imprensa mainstream no campo tático – porque os acima referidos são mesmo estratégicos – são oportunismo e mesquinheza dignas de um bom funcionário público. Não há pudores em cambiar sentenças taxativas da noite para o dia, assim como não há limites mínimos para desfaçatez e ataques pessoais baseados em baixezas.

Qualquer análise da imprensa mainstream que não esteja comprometida com ela própria, ou seja, com o objeto da análise, concluirá que lhe falta absolutamente algo: coerência. Não haveria nisso problema algum se não insistisse a imprensa nessa estória de coerência, como a criar um novo e universal valor a ser cultivado. Coerência é uma mistificação que parte da suposição absurda da existência da liberdade sempre e incondicionada e, portanto, algo sem muito sentido.

Ocorre que a imprensa cultua e repete o termo continuamente, ao mesmo tempo em que professa uma incoerência profunda. Guiada por oportunismo de fazer inveja a funcionário público, ela é capaz de esgueirar-se por todos os lados e apropriar-se de coisas que atacava um dia antes. E o público recetor, anestesiado, vê a banda passar… O caso que me vem à mente é precisamente o do Mundial de Futebol do Brasil.

A imprensa mainstream brasileira, o que significa dizer basicamente Rede Globo, TV Bandeirantes, SBT, Rede Record, Grupo Abril, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Diários Associados atacou a realização do mundial de futebol energicamente, como forma de atacar a Presidente Dilma. Eles são contra o governo e isso não é segredo para quase ninguém, até para quem não pensa com a própria cabeça.

Associaram fraudulentamente toda a realização do Mundial ao governo, desde a construção de estádios até a mentirosa isenção tributária dada à FIFA. Disseram que haveria o caos, que os aeroportos seriam ante-salas do inferno, que os transportes não funcionariam, que seria a vergonha nacional frente a um mundo abismado com nossa incompetência total.

Previram que haveria manifestações generalizadas contra o mundial e mentiram muito sobre a construção dos estádios – muito até pelos padrões elásticos da imprensa brasileira – tanto quanto à origem dos dinheiro, como quanto aos preços e possibilidades de atraso nas conclusões. Não houve tempo nem meios de desfazer as mentiras puras e simples, mas o discurso do caos e do fracasso mostrou-se totalmente suicida e informado pela realidade.

Eis então que o mundial é um sucesso, os aeroportos funcionam muito bem, os estádios estão prontos e são muito bons, estão sempre repletos, assim como hotéis, bares e restaurantes. Ou seja, o caos não houve, a vergonha não houve, protestos houve meia dúzia de pequenos burgueses menininhos satisfeitos. O que faz a imprensa? Cambia o discurso imediatamente e só fala do mundial, agora totalmente dissociado do governo.

Se houvesse fracasso e caos, seriam imputados ao governo; se há êxito, foi por conta de qualquer coisa sobrenatural ou mesmo uma novidade de efeito sem causa. Seria ingenuidade demasiada esperar qualquer pudor desta gente, mas esses câmbios são muito súbitos e embutem algum risco de se perceber o oportunismo que abre a porta a tamanha incoerência.

Evidentemente que se a seleção brasileira afinal não for campeã, retornara o estabelecimento de fantasiosas relações de causa e efeito, a por no caldeirão da frustração o governo. Isso é previsível como o escurecer após por-se o sol. Assim como previsível será a volta dos ataques aos estádios e a acusação de não conclusão de obras.

Eles nunca se preocuparam com mundial de coisa nenhuma, exceto pelo que ganham a vender espaços publicitários, nem nunca se preocuparam se foi ou não gasto dinheiro público em estádios, se haverá ganhos em infraestrutura depois, se muita gente ganhou dinheiro com serviços, nada disso. Eles estão preocupados em servir aos desígnios da plutocracia e evitar a qualquer custo a reeleição de Dilma, porque representa um pouco de redistribuição na apropriação das rendas.

E qualquer meio serve, por mais vil, mais incoerente, que seja.

Linchamento. A imprensa apropriou-se da objetividade manipuladora.

O espetáculo mais feio que o gênero humano pode dar, antes da guerra aberta, é o linchamento. É uma forma de ação direta e, portanto, muito sedutora para as massas, amantes perpétuas do imediato.

Essa forma bárbara de se unirem várias pessoas em torno a objetivo comum renasceu no Brasil. E renasceu, deve-se dizê-lo, porque foi estimulada pela imprensa, como se as piores inclinações necessitassem de adubação.

Depois de dramáticos assassinatos por linchamentos – e não cabe descer ao nível de considerar se as vítimas eram ou não culpadas de algo – a imprensa majoritária entra em cena para faturar em cima da selvageria, como se não a tivesse estimulado anteriormente.

Fiéis à condição de imprensa mais desonesta e iletrada que se conhece, numa breve comparação com as congêneres por aí, passaram do estímulo à apropriação da dramaticidade. De qualquer forma, a postura era previsível e própria de quem quer ganhar sempre e de todos os lados, certos que coerência é algo inexistente.

A estratégia passa por reservar-se a construção da narrativa objetiva, à revelia da efetiva descrição dos fatos. Isso percebe-se facilmente nas entrevistas feitas aos parentes próximos das vítimas de linchamento.

Um repórter qualquer, munido duma pauta pré-fabricada e não munido de qualquer autonomia profissional, pergunta à esposa do sujeito que foi linchado como ela está sentindo-se. É a superficialidade e a patifaria elevados ao máximo, porque é óbvio que o cônjuge de alguém selvagemente assassinado está sentindo-se muito mal.

A pergunta é uma não pergunta, serve apenas para dar ares de reportagem e por dramaticidade subjetiva, abrindo espaço para a objetividade ser delineada em termos de editorial.

O repórter não pergunta ao parente da vítima quem ele acha que foi responsável por aquilo, se houve estímulos a desencadearem o movimento de massa, se acha que os criminosos serão punidos. Enfim, não se faz uma mísera pergunta objetiva ao entrevistado.

A única coisa que se faz à guisa de entrevista é pergunta óbvia de forte conteúdo dramático, que, não pondo qualquer elemento objetivo, reserva ao editorialismo a construção da narrativa da forma que bem entender.

Não é jornalismo, nem acrescenta coisa alguma a quem vê, o ter um parente de vítima a chorar e dizer que se sente mal. Pelo contrário, isso banaliza a selvageria, banaliza as lágrimas da vítima, banaliza o sentir mal. Tudo é tornado em espetáculo banal.

Dado o espetáculo da banalidade, fica para o meio de imprensa o caminho aberto para dar sua teoria rasteira do evento e, possivelmente, dá-la como novo estímulo meio disfarçado da barbárie, o que é evidente nas mal-disfarçadas sugestões de linchar os linchadores…

Os três pilares do golpe: udenismo, esquerdismo Cabo Anselmo e judiciário.

Antes de qualquer coisa, convém uma pequena advertência. Conversando com um amigo sobre o segundo pilar apontado no título, ouvi que Cabo Anselmo lembrava imediatamente delação. Sei bem disso, mas a referência a Anselmo, como inspirador de certo discurso, não tem a ver com seu caráter delator, mas com a incitação irresponsável a um esquerdismo supostamente radical, que serve bem à direita golpista. Enfim, a lógica Cabo Anselmo, para mim e para este texto, tem a ver com esta incitação irresponsável, não com a delação.

Ao contrário de países vizinhos, o Brasil não tomou cuidados para evitar um golpe que subverta a vontade popular nas próximas eleições para a chefia do Estado. Ao contrário do que a maioria da imprensa diz, o Brasil tem níveis de liberdade que implicam verdadeira negação da soberania, da constituição e dos crimes de injúria, calúnia e difamação.

Contrariamente ao que fizeram Argentina e Venezuela, o Brasil, mesmo governado por gente que pensa mais no povo que na minoria de 15%, achou que era possível ter imprensa concentrada, monopolista, sem limites e entregue a capital estrangeiro. Os que estão no governo acreditaram que era possível comprar esta imprensa e receber dela o mínimo, ou seja, que ela fosse imprensa e não partido político. Mesmo tendo provas contínuas da impossibilidade, o governo continuou pagando para ser caluniado dia e noite…

Contrariamente ao que fizeram Venezuela e Argentina, o Brasil, pelos governos que estão há treze anos, acreditou que a honradez é paga com honradez e que não existem identificações de classe nem subornos. Não purgou a cúpula do judiciário dos golpistas e experimentou o sabor amaríssimo de juízes ignorantes, recalcados, vaidosos, cúpidos, farisáicos, oportunistas e com nenhum apreço à constituição que supostamente guardam. Vimos, então, o espetáculo horrível de juízos de exceção que degradaram homens inocentes e que foi a antesala da interdição de gente querida pela maioria.

Os que governaram e governam o país há treze anos trabalharam para reduzir a desigualdade social, o pior problema do país, e tiveram êxito marcante. Não trabalharam suficientemente para que a maioria tivesse consciência de classe e para que esta maioria pudesse escolher livremente doravante, todavia. Eles ignoraram os instrumentos do golpe e acreditaram que o povo e os que vendem para o povo seriam apoio suficiente.

Ignoraram que há, sempre, quem os queira tirar não apenas do poder, mas da vida, e que têm tenacidade para seguir a tentar. Sinceramente crentes que todo poder emana do povo, deixaram agir com poder de Estado os que nada têm emanado do povo e não tiveram coragem de dizer que funcionários a 10.000,00 euros mensais não podem trabalhar pelo povo, porque num país de renda mensal média de 300 euros, quem ganha 33 vezes mais que a média não é povo e, obviamente, age por sí e por quem está acima.

Aceitaram o jogo udenista, porque parte de seu êxito deveu-se a terem feito discurso udenista, lá atrás, há quinze ou vinte anos. O moralismo, aquilo que passa por dizer que tudo se trata de fulano ou sicrano ser ladrão ou infiel ao cônjuge ou adicto de drogas ilegais ou de álcool, foi uma das bases de seu discurso inicial. Hoje, este discurso é base da oposição a eles, com a amplificação da imprensa e da corporação judiciária.

Nunca insistiram unicamente nas conquistas relacionadas à melhoria na desconcentração da apropriação de rendas, que efetivamente realizaram. Nunca disseram que o ponto central da dinâmica social é a luta de classes, porque aliaram-se àqueles que passaram a vender mais. Assumiram a vergonha de serem de esquerda – que foram, realmente – e aceitaram as regras do discurso da oposição, que insiste em moralismo e na inexistência de esquerda e direita.

O grupo que hoje é governo no Brasil terá êxito nas eleições do ano próximo, mesmo que a seleção nacional não triunfe no mundial de futebol. Mas, ter êxito nas urnas, no voto, na preferência dos eleitores, não significa assumir o posto obtido pelo voto. Haverá um judiciário ávido por encontrar alguma questiúncula, um detalhe qualquer, ou mesmo servir-se de farsa pura e simples – e há precedente – para interditar a opção que não seja a do retorno da concentração de rendas e da entrega ao estrangeiro.

Há uma opção para o grupo que está no governo, se quiser resistir ao udenismo, ao esquerdismo Cabo Anselmo e ao judiciário: falar para a maioria e deixar claro o que ganharam e deixar claro o que é o judiciário e de que é composto. Com relação ao moralismo udenista e ao pseudo esquerdismo Cabo Anselmo, o primeiro deve ser ignorado e o segundo deve ser mais que ignorado.

Um pequeno pós escrito tem lugar. O que chamo de lógica cabo Anselmo fica claro num episódio recente e no comentário que fez um jornalista que posa de simpático, aberto e outras coisas bacaninhas do gênero. O Kenedy Alencar – jornalista que é empregado do Frias da Folha de São Paulo –  faz de conta que é livre e que segue sua pauta.

Pois bem, há cinco ou mais dias, o Congresso Nacional, em sessão plena, devolveu o mandato do Presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. Na ocasião, em abril de 1964, o congresso, amedrontado, considerou vacante a Presidência da República, o que ajudou a malta golpista a dar aparências jurídico-formais ao golpe.

Na sessão que anulou a farsa de cinquenta anos atrás, os comandantes do exército, da aeronáutica e da marinha de guerra estavam presentes e não aplaudiram quando o Presidente do Senado proclamou a anulação da vacância declarada cinquenta anos antes. Todos os demais presentes aplaudiram quando da formal proclamação.

O tal jornalista Alencar – de prenome Kennedy – escreveu artigo a dizer e pedir que a Presidente Dilma punisse os comandantes militares porque não aplaudiram a reabilitação de João Goulart. E essa cretinice repercutiu e foi repetida, tanto por quem fazia ironia, quanto por aqueles que viram nisso um grande arroubo de esquerdismo cioso da história.

Isso do Kennedy Alencar é Cabo Anselmo puro. Primeiro, militar não aplaude nada. Segundo, aplaudir não é obrigação de ninguém. Terceiro, não aplaudir não é falta funcional, portanto não é infração. A Presidente Dilma não tinha, nem podia punir algo que não é infração.

A imprensa, a pregação para os convertidos, a cólera e o golpe.

Pode-se dedicar todo o tempo do mundo a lateralidades e a coisas acessórias quando se trata de falar do Brasil, mas o principal é a hedionda concentração de riquezas. Hoje, os 10% mais ricos detém 42% de toda a riqueza do país. Isso é quase sem precedentes e nenhuma abordagem que se queira séria passa à margem dessa evidência.

Nos últimos doze anos, ou seja, no período que compreende os dois governos do Presidente Lula e o governo em curso da Presidente Dilma, esta concentração recuou e a velocidades maiores que as de outros recuos pontuais havidos anteriormente. Ou seja, o que hoje é terrível, era muito pior.

Essa aceleração na redução de desigualdades na apropriação de riquezas é um dos pontos centrais do ódio votado a Lula e a Dilma por partes da classe dominante, pela classe média alta e pela imprensa de forma quase generalizada. É verdade que a maior parte da classe dominante não se move pelo ódio, porque não se entrega ao luxo de ser estúpida, ela que ganha com o aumento dos mercados consumidores.

Todavia, uma significativa parcela move-se mais por ideologia que por cálculo e a inércia social e econômica lhes permitem essa aparente contradição. As classes médias altas movem-se tanto por cálculo quanto por cólera, pois percebem que a descompressão dos de baixo faz-se em detrimento dela, que vê o custo dos escravos aumentar muito e seus preconceitos moralizantes se esfumaçarem.

As classes médias altas são incapazes de perceberem a melhora do ambiente social como algo que lhe inclua e lhe beneficie, porque só pensa em ganhar mais e não crê que isto seja possível senão em detrimento das camadas mais baixas. Escravos que são, não cogitam aquinhoar-se melhor em detrimento dos de cima, sempre dos de baixo. Escravos e covardes…

A imprensa, em sua maioria, essa move-se por causas que muito dificilmente se poderiam considerar estrategicamente racionais. Ela não foi ameaçada por este tímido mas sustentado movimento de desconcentração de riquezas empreendido pelos Presidentes Lula e Dilma. Pelo contrário, viu seu mercado de publicidade aumentar significativamente.

Aqui, entra em cena outro elemento: ódio de classe. Os patrões da grande imprensa creem-se aristocratas, embora as evidências neguem a qualidade de melhores àqueles que nada mais fizeram que viver de privilégios estatais obtidos à custa de chantagem constante.

Temos no Brasil a mania de confundir as coisas e viver num ambiente de perpétua confusão conceitual. Isso não é devido ao acaso, mas a uma postura calculista inercial, que todos assimilam e praticam sem se perguntarem porque. Assim, costumamos lançar cortinas de fumaça sobre as origens sociais das pessoas e principalmente confundir social e econômico.

Lula foi verdadeiramente a primeira pessoa de origens humildes a obter o poder em nível elevado. Todas as demais, fossem de esquerda, direita, centro ou o que fosse, eram de extração social elevada, mesmo que não fossem nitidamente plutocratas. Isso nunca foi perdoado a Lula: o atrevimento de postular e ganhar eleições, após ter perdido em várias oportunidades e, pior, de cumprir o que dele se esperava.

A maioria esmagadora da imprensa não deu tréguas ao Lula e o assediou insistentemente por oito anos, com mentiras, insignificâncias, deselegâncias, insinuações, manipulações e com propaganda subliminar. A despeito de tudo isso e de terem levado o tribunal supremo a forjar um julgamento criminal sem provas contra pessoas próximas ao Lula, não o conseguiram apear da presidência da república.

Essa insistência da grande imprensa transferiu-se para Dilma, embora sem o mesmo nível de deselegância e vileza, porque Dilma não é propriamente alvo do ódio de classe.

O caminho escolhido pela imprensa conduziu a algo terrível e de difícil reparação, que vitima partidos políticos de situação e de oposição: a idéia disseminada de que todos são iguais e que política é algo indigno.

As idéias mais cretinas, menos elaboradas e mais moralizantes vicejam nas massas. A imprensa investiu contra a política em geral por ter crido esta a única estratégia possível para conduzir à interdição dos Presidentes Lula e Dilma. Ocorre que o efeito foi geral, o que prova não haver venenos de efeitos localizados e destruição limitada.

As massas – aí incluída a classe média alta, que é profundamente massificada – envenenaram-se de um moralismo rasteiro e colérico que rápido pode degenerar na rejeição pura e simples da democracia eletiva e dos direitos e garantias mais básicos. A ânsia de linchamento foi despertada como poucas vezes se viu neste país.

Um efeito imediato desta cólera e deste moralismo de botequim dominantes é a porta aberta para as alternativas ao sistema representativo. Ora, o mais evidente à disposição é um burocratismo pseudo-meritocrático, ou seja, uma espécie de fascismo.

Não creio, particularmente, que isto acontece assim tão drasticamente, mas não posso fingir não ver que a imprensa dominante instigou formas de pensar que abrem caminho para tais formatos.

Outra resultante terrível da campanha da imprensa contra a política em geral e a favor do nivelamento intelectual pelo mínimo possível é que ela não chega a muitos quando quer fazer política editorial de direita a sério.

A imprensa chegou ao ponto de pregar para convertidos nos seus editoriais nitidamente de direita. Ela desqualificou insistentemente a política, promoveu o linchamento, a cólera, a suposta ação direta, mas continua a gostar de falar de política. Quando o faz, a sério, nalgum editorial escrito por um direitista alfabetizado, ninguém lê, exceto os já convertidos!

O grande problema de instigar o que há de pior, mais rasteiro, mais moralizante, mais massificante é que não há resgate ao depois e que essas coisas são muito sedutoras realmente, o que fica provado pela facilidade de sua disseminação.

Outra resultante, talvez a mais terrível, é que demonizada a política e ainda assim incapazes de ganhar de Dilma em 2014, eles terão que recorrer ao golpe da interdição judicial instigada pela imprensa. Mesmo com fortíssima campanha mediática contrária, com os convites para a superficialidade, para o ódio e para o linchamento, a presidente conta com 47% de apoio, segundo pesquisa recentíssima.

A aprovação à Presidente revela que colocar o nada e a cólera como suporte discursivo da oposição não lhe rendeu apoios, porque a cólera vai igualmente em todas as direções e o nada alugar nenhum vai. Novamente conclui-se que, ou se resignam a nova derrota eleitoral, ou partem para o golpe judiciário.

Não acredito na resignação de grupos de direita fascistizantes que nunca conseguiram viver afastados do Estado. Resta, portanto, o golpe.

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