O tempo cotidiano tornou-se algo confuso, desde o final da primeira grande guerra mundial. À sua aparente aceleração, percebida na sucessão vertiginosa de acontecimentos, corresponde, vistas as coisas mais ao de longe, o estabelecimento de uma espécie de presente contínuo.

Esta aceleração de acontecimentos foi tamanha que eles perderam significação na mesma progressão e perderam realidade. Foram oferecidos pelo sistema de comunicações do poder real e passaram a ser demandados pelos receptores da avalancha de informações. Resultou que, na percepção geral, esses acontecimentos não se ligam uns a outros, embora a narrativa de sua conexão também seja fornecida.

Várias coisas expostas juntas, da mesma maneira, tendem a parecer-se, por mais díspares que sejam. Assim, fatos da natureza, fatos políticos, fatos criminosos, fatos bélicos, fatos banais, tudo isso mostrado em constante e turbulenta sucessão, serão, ao mesmo tempo, conectados e desconectados. A conexão encontra-se no fornecedor, que faz a escolha deste modo operante de dar informações.

A desconexão é própria da falta de identidade de coisas por si díspares. Ela é real e, talvez, a única realidade nisso que se mostra. A narrativa oficial – não há termo mais adequado – proveniente dos media é também real, por assim ter-se tornado, construindo-se a si mesma. Porém, como discurso descritivo, nada tem de realidade.

O poder real e seus meios de comunicações divertem-se, creio eu, a seguir roteiros claramente enunciados e descritos por autores que foram lidos por poucos. Eles disseram, poucos os leram, pouquíssimos os compreenderam. Assim, é muito seguro fazer o mesmo de sempre, o que já foi descrito como estratégia de confusão e alienação.

Por conta de meia dúzia de tolos ou loucos que criam e reproduzem estórias de autópsias em seres extraterrestres, segredos ocultos em edificações e mundos submersos, todo um conjunto de escritos onde se entreveem aspectos da realidade da ação do poder real são postos na mesma bandeja e estigmatizados como teorias da conspiração.

As melhores aproximações da verdade, as maiores percepções de pedaços das tramas porque age o poder real, recebem rótulos de teorias conspiratórias e o consequente descrédito. Algumas, que não se conseguem ridicularizar facilmente, sofrem a objeção da falta de conclusões. Objeção pueril, posto que as teorias de conspiração nada tem de teorias, pois consistem em narrações descritivas; elas não visam ao fornecimento de conclusões.

Os chamados atentados terroristas, por exemplo, e especificamente os mais recentes em França, têm algo em comum: serviram aos interesses do governo francês, mais que a qualquer outro. Esses acontecimentos são sempre reivindicados por alguma organização, invariavelmente chamada de islamita radical, embora isso seja um significante sem significado. Ora, os atentados não revertem em qualquer benefício para essas tais organizações!

Ou seja, é preciso acreditar que provém das tais organizações islamitas radicais e, ao mesmo tempo, não, porque atenderiam apenas aos interesses pontuais de um sujeito rapidamente descrito como louco. Neste último caso ocorrido em Nice, essa desconexão é deveras evidente. Afirma-se que uma organização – essa gente do poder real tem o fetiche da organização – reivindicou o tal atentado, praticado de maneira muito criativa e incomum.

Ocorre que a personalidade criminosa e desviante do suposto autor individual é criada da forma clássica descrita por Foucault. Inicia-se a deposição de camadas descritivas de aspectos e fatos passados do fulano, de forma a tecer-lhe um perfil psicológico que se aceita como próprio do criminoso. Chega-se a isso mesmo relacionando coisas absolutamente sem relação, como são, por exemplo, as inclinações sexuais do fulano.

O jogo das contradições está presente, como sempre. E elas servem, paradoxalmente, para conferir coerência, algo extraordinário e possível neste ambiente de confusão espetacular. O sujeito é autor do atentado porque sua personalidade – criada a partir da enumeração de fatos desconexos a que se confere aparente conexão apenas por efeito da enumeração sequencial – era já criminosa.

Ocorre que, ao mesmo tempo, o sujeito é autor do atentado porque trabalha ou serve a uma organização cujas finalidades nada têm com a personalidade anteriormente e a priori criminosa do seu agente! Afinal, ele serve a si mesmo e a suas inclinações criminosas apriorísticas – reveladas por sua ambiguidade sexual – ou serve a uma organização que, como tal, deve-se supor movida por desígnios organizados?

Evidentemente que se objetará a perfeita coerência que há em uma organização servir-se de um maluco ou desviante em geral para seus fins terroristas. Faria sentido se sempre ocorresse assim e se as recompensas houvesse para ambos, no mesmo sentido. Ora, se o móvel da ação é basicamente subjetivo, psicológico, não há porque por-se a serviço de outro móvel, uma vez que o primeiro basta-se.

Mais relevante a se considerar são os efeitos destas ações. A França sairia do estado de emergência decretado pelo governo, em 26 de julho próximo. Agora, continuará em estado de emergência por mais seis meses, o que é ótimo para a celebração de contratos relativos a defesa e segurança sem que se oponham maiores questionamentos sobre utilidade e custos, para ficarmos em dois aspectos mais evidentes.

O poder real gosta de regimes autocráticos – evidentes ou disfarçados de democracias em momentânea suspensão – e o estado de emergência tendente à continuação é perfeito para que os objetivos do poder real sigam a serem atingidos com nenhuma objeção e com uma boa desculpa aparente: não se metam nisso, estamos cuidando da sua segurança!

Por mais que haja conflitos de interesses entre grupos definidos por matriz religiosa, como na objeção entre cristão e islamitas, não é razoável supor que estes grupos acreditem na utilidade de escaramuças que matam poucas pessoas. Isso, principalmente se se diz tratar-se de grupos organizados, com sofisticados meios de infiltração, de comunicações, de estocagem de armamentos, de explosivos e que tais. A ineficácia do ato terrorista contradiz o nível de sofisticação e organização que teriam.

Matar cem ou oitenta ou duzentas pessoas na França é dramático, mas o que isso traz de benefícios a qualquer grupo islâmico organizado que queira impor derrotas ao mundo europeu de matriz cultural cristã? Alguém dirá que esta assimetria em relação aos modos civilizados europeus – que consistem em despejar bombas de 500 Kgs guiadas a laser ou GPS – deve-se aos meios que cada parte possui.

Ora, mas anteriormente aceitou-se que os tais grupos islâmicos organizados têm enormes meios, pois são capazes de proezas fantásticas. Eles já sequestraram quatro aviões simultaneamente, nos EUA, com sequestradores que aprenderam a pilotar aviões em quinze dias; meteram um avião na sede do poder militar norte-americano, que tem defesas anti-aéreas, infiltraram agentes munidos de fuzis de assalto com sete quilos de aço em boate com detetores de metais e por aí vai…

O pior de tudo é ter de supor que esse pessoal, tão capaz para certas coisas e tão munido de audácia, é extremamente burro no que tange a calcular resultados, mesmo dispondo de toda a história para fornecer-lhes balizas seguras para tais análises.