Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Uma noite na Praça da Constituição.

No ultimo domingo, dia 22 de maio, aconteceram as eleições municipais e autonômicas da Espanha. Desde algumas semanas antes, se iniciara um movimento, talvez pelo Facebook, talvez pelo twitter, que logo vi, mas pouca importância dei, talvez por estar desde sempre acostumado a não prestar atenção, nem participar, dos poucos movimentos que há onde eu morei.

O nome do movimento era movimento 15 de maio, e chamava todas as pessoas a irem para as ruas no referido dia 15, então uma semana antes das eleições, para demonstrar insatisfação com a situação política atual. Aqui um parêntese, a insatisfação não era contra o governo atual, e sim contra a situação política.

Além de muitos casos de corrupção, dos quais não me inteirei, as pessoas que fariam parte da manifestação, não se sentiam representadas por nenhum partido político espanhol. E aqui, outro parêntese, há mais de vinte anos, só dois partidos políticos tem chances reais de governar o país, o PSOE – Partido Socialista Obrero Espanhol, e o PP – Partido Popular. Não entro em detalhes maiores sobre os partidos, até por desconhecimento, mas como se pode observar com uma leitura primária, o PSOE é de esquerda, e o PP de direita, em alguns casos, com alguns remanecentes da ditadura de Franco que governou a Espanha de 1939 até 1975, quando morreu.

No dia 15, então, começou o movimento, e muita, quando digo muita, não tenho a mínima idéia de quantos foram, mas foi muita gente que participou. A rigor, em Madrid, na Porta do Sol, região central da cidade. A polícia tentou reprimir, no que inicialmente, logrou algum êxito, mas logo a multidão tomou a Porta do Sol. Essa manifestação, que propunha um acampamento na região central da cidade, seria só em Madrid, ou nas maiores cidades, digo isso, pois foi extremamente pouco divulgado nos meios de comunicação em geral, só passando a ser mais divulgado, quando se tornou algo, que mesmo nas menores cidades, já existia.

Na quinta-feira, estive no acampamento de Salamanca, que havia começado na terça-feira… Onde filmei esses 2 pequenos vídeos:

Tirei também algumas fotos, e foi quando apareceu Javier, um Salmantino que viveu no Brasil por algum tempo, extremamente simpático, e que me levou para conhecer o resto do acampamento, que pra mim estava impressionante, e pra ele, estava aquém do que poderia estar!

Primero, as doações, todo o material que eles têm, é proveniente de doações, comida, não há gente para tanta, e ali fazem todas as refeições. Material de escritório, ou outros quaisquer, como paletes para proteger os colchões da chuva, eles pedem através de lista, e as pessoas se dispõem a procurar nas listas o que falta para doar, tais listas são (em Salamanca, e naquele dia) retiradas em questão de horas, porque já não se faz necessário mais material.

Dentro do acampamento há uma pequena sala com uma estante e alguns livros e jornais do dia, para quem queira ler o que se passa, e nessas semanas entre proibição ou não do movimento, creio terem sido de alguma ajuda, há também, pelo menos um computador ligado a internet, também pra notícias, mas principalmente para atualizar redes sociais, e manter-se em contato com outros focos.

As pessoas, e aqui leia-se, os espanhóis, são convocadas nas ruas a assinar apoio as reinvidicações do movimento. E segundo Javier e alguns amigos, contra as expectativas, por Salamanca ser um lugar conservador, o movimento tomou bastante corpo, e cresceu, inclusive com senhores de idade passando a noite, fria, no acampamento, e famílias durante o dia nos eventos que ocorrem na manifestação, com o apoio de toda população interpelada até aquele momento. E disso ele mesmo fala, se apresentando:


Abaixo vão algumas fotos de dentro do acampamento, e de alguns cartazes:

 

Contra el poder de la banca sobre el Estado.

Contra el poder de la banca sobre el Estado.

Informação.

Informação.

Tablon de anuncios.

Tablon de anuncios.

Biblioteca.

Biblioteca.

Comida.

Comida.

Comunicação.

Comunicação.

Biblioteca.

Biblioteca.

¿Porqué manda el mercado, si yo no le he votado?

¿Porqué manda el mercado, si yo no le he votado?

No somos mercancía en manos de políticos y banqueros.

No somos mercancía en manos de políticos y banqueros.

Prensa: No nos mires, PREGUNTA, a ti también te afecta.

Prensa: No nos mires, PREGUNTA, a ti también te afecta.

De Sol a Sol y tomamos la Plaza de la Constitución.

De Sol a Sol y tomamos la Plaza de la Constitución.

Contato:

Contato:

Justin Bieber.

Justin Bieber.

Final de noite, antes de dormir.

Final de noite, antes de dormir.

É interessante notar a relação deles com a polícia que é pacífica, há policiais do outro lado da rua sempre, desde o início da manifestação. Eles trocam café, e alguma comida, e há alguns policiais que apoiam o movimento. Há em um dos filmes, uma tremida minha quando fui filmar a polícia do outro lado da rua. Ainda não sabia da relação pacífica. E também, que todos ajudam com algo, a energia vem de um apartamento estudantil perto dali. O movimento em Salamanca só foi possível, graças ao apoio jurídico de uma entidade de classe que não pode aparecer, já que o movimento é apartidário.

Por último, acredito que o movimento logrou um êxito torto, o PSOE não podia, nem queria, usar de violência contra os manifestantes, afinal como disse um deles, a maioria dos que estavam ali, eram de esquerdas. O PP penso eu, que ficou neutro, afinal não era de seu interesse. No entanto, as pessoas eram de esquerdas, e o PP levou as eleições na Espanha, o êxito foi torto, os votos nulos e brancos somaram mais ou menos 1 milhão aqui, foi a 4° força mais votada. Talvez sejam votos do PSOE, agora é viver com as consequências… Vi duas frases que me chamaram a atenção, a primeira eu li, os do PP votam por religião, não cobram nada de seus governantes, os de esquerdas, que cobram, pagam o preço mais alto. A segunda eu ouvi, enquanto estava lá, “- Somos a Tunísia da Europa!”, se são ou não eu não sei… Mas em Lisboa enquanto eu tô escrevendo, tem gente acampada no Rossio…

Esse post só possível graças a simpatia de Javier e seus companheiros de movimento que me receberam durante a noite, explicando muito mais do que caberia dizer com tanta mídia envolvida, e nas minhas palavras nada claras. Foram boas conversas, tambem sobre Garzón, Espanha e Brasil de forma geral. Também graças a insistência de Andrei, que não me deixou esquecer de postar! =)

10 Comments

  1. andrei barros correia

    Tu produziste uma reportagem, Severiano. E das boas! Tua perspectiva, ou ponto de vista, tornou fácil o texto, sem o tornar superficial ou insípido. Sem falso afastamento.

    Esse negócio da polícia pareceu-me o mais interessante. Claro que não é o caso de dar destaque à polícia, em detrimento do movimento; evidentemente, não.

    Mas, é que o aparelho de poder repressor funcionou a meia força! Junta, Câmara e Tribunal proscreveram o movimento.

    Mas, a proscrição não foi efetivada! Estranha desarticulação ou rearticulação dos sistemas de poder. Talvez, a polícia ou, melhor dizendo, os polícias individualmente, estivessem no movimento.

    Talvez, o governo do PSOE tenha compreendido razoavelmente o que se passa, embora tenha perdido as eleições.

    Agora, é fundamental que o movimento se faça perceber pelo PP que não foi apoio ou o elemento a tornar viável a vitória dele.

    É fundamental que o neo-franquismo não se sinta legítimo porque ganhou eleições, apenas. Sim, porque isso tudo é a rejeição das eleições como estão conformadas.

    Parabéns, Vevel.

  2. andrei barros correia

    Outra coisa, essa tua postagem deixou-me a pensar como é precário o debate da reforma política brasileira.

    A coisa toda esta no congresso, a imprensa não fala senão superficialmente e nos pontos que interessam a ela.

    O povo totalmente alheio, seduzido por uma melhorazinha no poder de compra e pelas imensas possibilidades de tomar dinheiro emprestado para comprar de tudo.

    Enquanto isso, o congresso em vias de aprovar uma reforma monstruosa do sistema político, em função única e exclusiva dos interesses oligárquicos dos partidos políticos.

    Nada de aprofundamento dos mecanismo de democracia direta, nada de referendo revogatório de mandato, nada de possibilidade de iniciativa popular para emenda à constituição.

    Nada de financiamento exclusivamente público das campanhas.

    Limitaram-se à pequena feudalização dos distritos e à ignomínia da lista fechada.

  3. miguel

    Olá,
    Parabéns pelo seu artigo. Um leitura decritiva, lucida e bem informativa do que acontece.
    Apenas um comentário quanto ao resultado “torto”: o pacifismo enquanto forma de protesto e reivindicativo da mudança, não é tão eficaz como a violência manifestação máxima do poder, não traz resultados imediatos ou urgentes. Faz da persistencia e da convicção a sua força, o seu lado frágil resulta da ausência de controlo, sujeitando-se aos jogos e circunstâncias da manipulação e violência política.
    Mas os seus resultados também são mais duradouros.
    Um abraço.

    P.S. – Se puder continue a reportar. Obrigado.

  4. andrei barros correia

    Faço coro à sugestão do Miguel: Severiano, se tiveres gôsto pela coisa, continue a reportar, que o fazes bem!

  5. Javier

    Muito obrigado Severiano.
    Muito bem feito, amigo.
    Abraço

  6. André Cabral

    Severiano,

    Parabéns! Excelente relato.

    Abraço

    André

  7. Reginaldo

    Bela reportagem Severiano!

  8. Olívia Gomes

    Tas de parabéns, Vel! Muita boa reportagem a tua. Continua mandando notícias 🙂

  9. Izabella

    Véu, qual a justificativa, o motivo alegado para a proibição dos protestos?????? Pelo que entendi foi uma coisa pacífica desde o início (nada de quebra quebra ou saques neh? hehe). E então???

    PS: PASSA PRA CASA!!!

  10. Severiano Miranda

    Andrei, tem um chargista do ElPais que colocou isto que disseste sobre o PP notar que não foi exatamente uma vitória, numa charge genial, chamasse Peridis e a charge é essa:
    Peridis
    “En una resolución notificada esta tarde a la Delegación del Gobierno, alega que no existen “causas extraordinarias y graves” que justifiquen la convocatoria urgente de la concentración, y la veta por motivos electorales y por influir en el derecho de los ciudadanos a decidir libremente su voto.”

    Por isso foi vetada a manifestação, e não, não houve nem quebra quebra, e nem saques, nem nada… Só o povo mostrando que está descontente, e andando pela rua. =)

    Muito obrigado pelos elogios galera! =)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *