Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Uma questão de gênero.

Esse último ano certamente me deu pena do rapaz que teve que preparar uma retrospectiva da política nacional brasileira. Foi um ano intenso, e a cada novo acontecimento de seus últimos dias o ano mais parecia um seriado em que o roteirista brincava de ligar as pontas soltas do ano todo.

Também nesse ano, mais do que em outros, houve um acirramento político no Brasil entre os que se dizem de “esquerda” ou de “direita”, podendo ser considerados representantes de cada lado e tendo visibilidade nacional, estão os deputados federais Jean Willys e Jair Bolsonaro. Um homossexual que defende as políticas de gênero que acha pertinentes, e o outro um ex-capitão do exército brasileiro que as rechaça por completo, ou quase isso.

Esse fato levou à uma distorção não somente do assunto em si, como também de como tratá-lo. Ora, esse não é exatamente um assunto nacional, senão que é discutido em todo o mundo e não é de hoje. Em alguns lugares é mais bem recebido, ainda que não sem resistência a um ou outro de seus questionamentos.

Considerando gênero como a construção psicossocial do masculino e do feminino. há diversos conceitos, para determinar o que chamamos “gênero”: como símbolos culturais evocadores de representações, conceitos normativos como grade de interpretação de significados, organizações e instituições sociais, identidade subjetiva (SCOTT, 1988); como divisões e atribuições assimétricas de características e potencialidades (FLAX, 1987)”

Entre esses lugares onde o assunto é bem recebido, estão todas as nações ditas desenvolvidas, mais explicitamente América do Norte excluindo-se o México, Europa ocidental e Austrália. Via de regra são os mesmos lugares que o “típico brasileiro” se acostumou a dizer que são melhores em tudo, quando se referem diretamente ao Brasil. Esse costume eu identifiquei, ainda que não massivo como no caso Brasileiro, na Espanha com referência a assuntos pontuais, um exemplo seria um “típico espanhol” dizendo que o cinema espanhol é pior que o norte americano. O caso brasileiro é muito mais conhecido por mim, dai vem o “massivo”, não é que em outros lugares não exista, apenas que a situação de meu país é a que mais conheço.

Acontece que na Austrália um grupo de meninas iniciou um grupo de estudo sobre violencia machista que se formou numa aula de literatura, ou seja, contra violência de… Gênero!

Não somente isso, não satisfeitas com a ausência de assuntos como feminismo nos curriculums escolares australianos, as garotas de 8 a 15 anos ajudadas pela professora, iniciaram uma campanha de Crowdfunding para a elaboração de um KIT contra violência de gênero para ser distribuído e usado por professores e alunos em outras escolas australianas. O objetivo era conseguir 3000U$, as meninas conseguiram 12.000U$. Quatro vezes mais, certamente ajudadas por… Pais e amigos!

Na Espanha, onde de momento estudo e na mesma universidade, que é pública, existe um mestrado em… Gênero!

Nos EUA, mais exatamente em Nova Iorque, uma garotinha de 13 anos, passou a escrever um blog e defender mais ou menos o que defendem as meninas australianas, representando a ONU, que não é pouco, e falando de… Gênero. É um blog para adolescentes feministas.

Agora, eu sou do nordeste do Brasil. Lugar notoriamente conhecido por filosofias avançadas com as quais presenteou a humanidade fazendo-a evoluir muito… Só que não…

Não obstante eu compreendo exatamente como se sente um conterrâneo meu ao assistir um vídeo como esse:

Compreendo exatamente porque eu vejo o vídeo e sou tentado a pensar: “A criança claramente foi treinada nesse discurso!”. E não obstante, por morar ali, eu mesmo vi e tive companheiros de classe “afeminados”, que se vestiam de “homem” e eram ridicularizados inclusive pelas meninas de quem eram mais amigos. Crianças e jovens podem ser e efetivamente são bem cruéis quando querem. Por haver tido tais companheiros, me pergunto o que aconteceria se seus pais tivessem desde o princípio acatado a opção do filho e reagido como os pais dessa criança, defendendo-a incluso de outras crianças e outros pais.

Agora… Não sou pai. Falo sem conhecimento completo de causa, e sem medo de afirmar, quando vejo um pai que compra uma boneca para seu filho, vejo muito mais possibilidades nessa criança do que na nordestina, como eu, que foi, é, e será criada para reproduzir velhos preconceitos.

Acreditar e mais que isso, aceitar que existe o problema e lidar com ele, são apenas primeiros passos. É uma coisa no mínimo engraçada que no mesmo Nordeste em que dizem segundo a situação que você “seja homem”, porque de um “homem” se espera uma série de atitudes tais, adquiridas ao longo do tempo, também seja o Nordeste que rechaça que uma mulher também se edifica, e que em ambos os casos, o corpo biológico é mero detalhe. A referência é clara, as críticas a Simone de Beauvoir e seu texto presente no ENEM. Era preferível TENTAR desconstruir a filósofa, do que minimamente pensar sobre sua afirmação.

Da mesma forma que a aceitação é um dos passos para a solução, a politização exacerbada do problema é o primeiro passo para o abismo. Assumir a preferência por político A ou B que via de regra não fazem ideia do que estão falando e são contra ou a favor de partidos políticos com ideologias tal ou qual, é o abismo em si mesmo, e esse é o caminho que seguimos no Brasil.

Continuaremos durante muitos e muitos anos, vendo gerações de brasileiros visitarem Espanha, Austrália, e EUA, regressando de suas viagens a cantar a perfeição nesses lugares, enquanto são contra as coisas mais básicas que lá existem, em seu próprio país. Ações que caso seus filhos realizassem, com certeza seria motivo de seu orgulho, sendo defenestradas de dentro de casa, pelos mesmos pais que gostariam que seus filhos escrevessem para a ONU.

2 Comments

  1. Arthemísia

    No tempo da ditadura brasileira eu ouvia muito a seguinte frase: religião, futebol e política não se discutem. Por incrível que pareça, na democracia que conseguimos manter em pleno século XXI, gênero foi acrescentado à lista.
    Enquanto gênero for um assunto restrito às teses universitárias e a meia dúzia de congressistas, a tendência é que os problemas gerados pela ignorância e hipocrisia cresçam assustadoramente.

  2. Severiano Miranda

    É verdade Arthemísia…
    Apenas creio eu, para complementar o comentário, que o problema já é assustadoramente grande, e não tende a diminuir justamente porque estão atrelando esse assunto à política de uma forma que se político tal defende ou é contra, estarão as ideias certas ou erradas. Ninguém está interessado nas ideias em si. O pensamento é “”Gênero” -> PT -> Ruim…” Ninguém sabe nem o que é, nem se interessa em saber.

    Eu esqueci de comentar no post, mas o problema chega a níveis tão escandalosos que nem o “mercado” consegue resolver, a caixa de brinquedos do novo filme do Guerra nas Estrelas não tem a boneca da menina… E A MENINA É A PROTAGONISTA DO FILME!! Isso não tem nada de política, isso não tem nada de Brasil… Esse é o problema.
    Where's Rey

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