Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Variante da síndrome de Estocolmo.

Há um processo nítido de golpe de Estado, levado a cabo pelo conúbio entre a imprensa e o judicial. O segundo faz tudo para derrubar a Presidenta da República a partir de qualquer argumento, por mais pueril que seja, além de tentar a humilhação do ex-Presidente Lula e sua interdição política, também a partir de vários nadas reunidos. O processo é jurídico apenas na aparência, pois viola quase todas as garantias constitucionais fundamentais.

A imprensa faz o papel de instigar nas classes médias um ódio moralizante e hipócrita cego. Levou este estrato social ao grau zero do pensamento autônomo. Além disso, leva os setores normais da burocracia judicial à inação diante das aberrações perpetradas, por conta do medo do linchamento público induzido pela imprensa. A parte sensata do judicial foi paralisada pela chantagem mediática.

Além de atender aos interesses dos operadores locais das oposições ao governo, este processo atende aos interesses de desnacionalização das reservas de petróleo e da indústria pesada nacional, que se articulou muito fortemente em torno à cadeia do petróleo e viu renascer um setor voltado às altas tecnologias, notadamente no âmbito militar. O golpe serve, preponderantemente, aos interesses entreguistas.

Por meio de barbaridades travestidas de medidas judiciais enfraqueceu-se a ligação entre o governo e a grande burguesia nacional. Grandes capitães de indústria foram e são chantageados por meio de privações de liberdade ilegais, de que escapam se disserem precisamente o que o sistema golpista quer ouvir, pouco importando a veracidade do que é dito.  A bem de investigar contratos entre empresa meio pública e empresas privadas, o golpe judicial trabalha assiduamente para quebra-las ambas, de maneira a serem adquiridas pelo capital externo a preço de quase nada, ou simplesmente destruídas.

Esse processo cansa e confunde. Não que este cansaço signifique, para as classes médias enfurecidas contra roubos que não compreende absolutamente, alguma regressão no estado de ânimo pre-fascista a que foi levada. Mas, no âmbito das pessoas que conservaram alguma lucidez e pensam com o cérebro e não com fígado o processo tem cansado e confundido, realmente.

Essa espécie de reação tem padrão histórico, ou melhor se diria que este tipo de reação advinda do cansaço e da confusão implica uma postura muito estável relativamente a processos semelhantes. O que muitos dizem hoje relativamente à situação da Presidenta Dilma, já disseram sobre os casos de Getúlio Vargas e de João Goulart. Este último catalisou o tipo de análise que chamo quase síndrome de Estocolmo.

Cansados e confusos, alguns começam a crer que o processo destrutivo que sofrem alguns governantes deve-se, em muito, à inação ou incapacidade políticas deles próprios, o que não deixa de ser identificação, mesmo que parcial, com os algozes da imprensa, dos partidos e do judicial. O processo é tão brutal e absurdo que muitos são levados a crer que aquilo não poderia nascer e crescer senão com a ajuda da vítima.

É um erro de análise abissal e o caso com João Goulart é exemplar. Passados muitos anos do golpe militar que o derrubou da presidência, começou a formar-se uma narrativa da tibieza e da covardia de Goulart, o que é apenas falso. O mito é que haveria reação eficaz ao dispor do Presidente, que teria preferido a inação.

Primeiramente, convém destacar que não havia reação eficaz alguma contra os navios militares norte-americanos fundeados ao largo do Rio de Janeiro, inclusive entre eles um pequenino porta-aviões da classe Nimitz… Em segundo lugar, mais da metade das forças armadas estava a favor do golpe, uns por estupidez, outros por dinheiro mesmo. Entre os movimentos ditos de apoio ao projeto nacionalistas, muitos não passavam de infiltrados que nunca foram realmente de esquerda ou nacionalistas. A imprensa era majoritariamente favorável ao golpe.

Ai, neste passo, quem insiste na possibilidade de reação lança a carta da defesa pelo povo. Ora, o povo não tem consciência de classe hoje, imagine-se há cinquenta anos. O povo cuida do dia-a-dia, de pagar suas prestações, de comer, de procurar trabalho, de algum lazer barato. É muito ingênuo, até para acadêmicos neo-cooptados, supor possível uma reação popular organizada contra o golpe de Estado desferido em 1964.

João Goulart foi extremamente responsável e sincero quando disse que não levaria as coisas a um estado que implicaria um banho de sangue. Se insistisse nessa quimera, geraria um banho de sangue por nada, porque as chances de êxito não havia. Seria um capricho movido por vaidade. Ele foi grandioso.

Pois bem, começam a surgir análises que põem, ainda que parcialmente, na conta de Dilma o massacre mediático de que ela é alvo diariamente. Isso é tolo e vil. Não era a habilidade ou inabilidade política de Dilma que evitava as coisas chegarem ao grau de efervescência golpista atual. Era o tempo demandado para a imprensa conseguir catalisar todas as piores inclinações do médio classista fariseu prototípico. Isso leva tempo; é preciso trabalho constante. Da mesma forma, a construção do processo judicial leva tempo.

Dilma não contribuiu para que o processo golpista chegasse onde chegou, com tamanha intensidade e probabilidade de levar o país ao caos subsequente. Um pouco de pensamento autônomo, amparado nas balizas clássicas da história e da lógica formal, permite ver que nada ela poderia fazer para estancar isso. Não havia, nem há, acordo possível com as forças do golpe, exceto se se tornar também golpista e decidir entregar as riquezas nacionais aos comandos e interesses externos.

O povo está ansioso por suprir suas necessidades – reais e quiméricas – materiais: quer comprar, enfim. Não sairá às ruas para defender um projeto nacionalista em oposição a um entreguista e de submissão, simplesmente porque não concebe nada nestes termos.

Hoje, muito mais decisivo que qualquer ação da Presidenta é o desenrolar da situação geopolítica, notadamente as eleições presidenciais nos EUA, sua situação financeira, sua capacidade de promover desestabilizações por todo o mundo. Se a margem de ação dos EUA reduzir-se, tanto por esgotamento financeiro, quanto por formação de nova vontade política, podemos ter alguma paz…

 

3 Comments

  1. Arthemísia

    Sempre tive a impressão de que a má vontade dos petistas e esquerdistas para com Dilma deve-se, infelizmente, ao velho e ruim machismo. Que o governo tem patinado, nem discuto. Mas a pressão que essa mulher tem aguentado, queria ver um só marmanjo encarar. É machismo de direita e de esquerda. Os grandes erros políticos de Dilma foram os mesmos de Lula, mas ele não é tão massacrado pelos companheiros; aliás, ele inaugurou o tal republicanismo bobo, ele não peitou ninguém na época do mensalão, etc. A grande diferença entre os dois é o foco mental: a mente de Lula é essencialmente política, a de Dilma, não.
    Também não vejo Síndrome de Estocolmo, mas um imenso golpe que deixa a pessoa sem saber o que fazer. O único senão é que, mesmo sem saber o que fazer, é preciso liderar, é preciso demonstrar que está atento, que está conectado, principalmente com seus eleitores. E nisso Dilma falhou.

  2. andrei barros correia

    Cara Arthemísia,

    Certamente há muito de machismo, sim, relativamente à Presidenta.

    O que me chama atenção é que o massacre da imprensa começa a surtir efeito até entre aqueles que supostamente estão do lado sensato das coisas.

    E atribuo isso ao cansaço e ao absurdo. A absurdidade é algo difícil de assimilar. A pouco e pouco as pessoas começam a achar que a vítima concorreu para o absurdo, porque não o concebem como resultado de ação unilateral.

    Particularmente, vejo que Lula errou mais que Dilma, no que se refere a indicações para o STF e nomeações para o ministério público. Mas, numa visão um tanto estruturalista, não imagino que pudesse ser diferente.

    Eles têm suas limitações.

    O centro da questão é que apanham muitíssimo da imprensa e isso independe de quanto tenha acertado ou errado.

    Só não seriam vítimas da imprensa se não fossem o que são.

    • Arthemísia

      Sem determinados conhecimentos, Andrei, não é fácil resistir ao discurso oficial e, infelizmente, o oficial no Brasil é ditado pela Globo e não pelo governo. Conheço muita gente que já capitulou e eu mesma me pego, por vezes, fazendo testes do tipo: será que não estou doida? Será que entrei num delírio quanto ao PT. A única coisa que me acalma é a leitura porque ela traz conhecimento, a arma contra qualquer antídoto.
      Por outro lado, creio que alguns aderem à mídia com medo da posição de cúmplice ou tentando evitar a própria degola. Ledo engano, pois a história já mostrou que os primeiros judeus que colaboraram com o nazismo também acabaram nos campos de concentração. Tenho a nítida impressão de que restarão poucos de nós, porque a tarefa é árdua e custa caro.
      Quanto à sua visão estruturalista, até concordo, mas com um porém: as esquerdas não sabem e não querem saber do funcionamento do Estado. Todos os juristas de esquerda são uns sonhadores, sonharam com um Judiciário que faria transformação social. Se não fossem quem são, diria que foi muito LSD no quengo,kkkkkkk. O que acontece hoje com o campo jurídico no Brasil não começou hoje e é resultado de muitas varáveis que a esquerda desconhece, por isso apanha. Por incrível que possa parecer, Márcio Tomaz Bastos, ministro de Lula, foi o responsável pela criação do Instituto Innovare, um conluio entre o Judiciário e – pasme – as Organizações GLobo. Hoje o presidente desse monstrengo é Ayres Britto, e a parceria vai de vento em popa, por meio de premiações das “melhores práticas” do Judiciário (a maioria da primeira instância) e desde o ano passado incorporou o MP na jogada. Depois disso, qual juiz de direito vai se opor à Globo? Esquerda burra; fortalece o campo adversário o tempo todo. Por isso não me iludo quanto ao final dessa história.
      Desculpe o comentário tão grande, mas é falta de ter com quem dialogar, um dos piores efeitos desse tempo sombrio.

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